“Mais de dez mil moradores de pelo menos três comunidades do Engenho Novo, no subúrbio do Rio, vão ser beneficiados com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Mais de 200 agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) fazem nesta quinta-feira (6) a ocupação das comunidades.” (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/01/mais-de-200-policiais-do-bope-vao-ocupar-favelas-para-instalacao-de-upp.html)
Com essa notícia, comecei meu dia. Engenho Novo é o bairro onde passei a minha infância e pré-adolescência. Vivi lá do nascimento até os treze anos, e é deste bairro que tenho as mais tenras lembranças.
O Engenho Novo é subúrbio da Central do Brasil. Para você que não nasceu ou viveu no Rio de Janeiro ou não entende essa referência geográfica genuinamente carioca, vou explicar. O Rio conta com duas grandes linhas férreas: uma começa na Estrada de Ferro Central do Brasil e a outra na Estrada de Ferro Leopoldina. De lá partem trens metropolitanos que percorrem diferentes bairros. Cada uma dessas estações centrais dá início a um roteiro específico. E todos os bairros por onde passam as linhas do trem é conhecido como subúrbio. Neles existem uma estação, onde sobem e descem centenas de passageiros, todos os dias. Desta forma, o Engenho Novo é um bairro que pertence a rede férrea da Central do Brasil.
Além da estação ferroviária, o bairro é cercado por muitos morros, que são habitados por diferentes comunidades. A rua que eu morei termina, ainda hoje, em uma delas – Cabuçu. Não sei se ainda tem o mesmo nome, hoje em dia. Sempre tivemos convivência pacífica. Subia o morro pra ir na casa da Eunice, que era doméstica na casa de meus pais. Não me recordo de qualquer constrangimento ou perigo por causa disso…É claro que estou falando de muitos anos atrás. Muita coisa se modificou nessa cidade. O que não mudou é o carinho que tenho pelo Engenho Novo.
Bairro de classe média e média-baixa, muito próximo do Méier que centralizou os grandes investimentos, é desta forma um bairro estagnado economicamente. Quase um bairro-dormitório, hoje em dia. Mas antigamente não era assim.
Existia um cinema na avenida principal a Barão do Bom Retiro: o Santa Alice. Fui frequentadora assídua, sempre acompanhada da avó Dora ou da minha mãe. Era bem pequena. Mais tarde virou templo evangélico, como a maioria dos cinemas independentes do Rio de Janeiro. Lembro ter assistido aos grandes clássicos da Disney, como a Branca de Neve, Cinderela e Mogli.
Também na Barão do Bom Retiro foi inaugurado o primeiro supermercado da região: o “Peg-Pag”. Que mudança no atendimento! Com espanto e alegria, verificamos que nós, os próprios consumidores, poderíamos escolher os produtos nas prateleiras e levarmos sozinhos ao caixa para pagar… Que progresso, sem dúvida!
Havia também a Igreja Nossa Senhora da Consolação, onde fiz minha primeira eucaristia e onde ia a missa aos domingos. Anexo a ela, ficava o Liceu Santa Rita de Cássia. Simone, minha irmã, aprendeu a ler nessa escola… Parece que foi ontem. A igreja ainda existe, a escola, não sei.
Também tinha o Vitória Tênis Clube . Ficava na rua que eu morava. Do Vitória lembro das matinês nos carnavais e da piscina de águas cristalinas e refrescantes.
Mas de todas as lembranças, a maior delas é da Oficina – Mecânica Grão Pará – que pertencia ao meu avô Manoel, e era onde meu pai trabalhava. Aliás, meu pai e meu padrasto. Cresci ali, naquele corredor comprido, onde ficava a empresa. Tudo muito cheio de graxa e barulho dos tornos mecânicos. Mas era nosso. Tinha vida. Eu e meus primos brincávamos lá. Subíamos no caminhão pra brincar na carroceria. Não lembro de termos caído, se quer de algum machucado. Meninas e meninos brincavam juntos e não era problema pra ninguém.
Na casa da Tia Adélia, que também ficava na Rua Grão Pará, estudei piano. Pelo menos, tentei. Confesso que meio na marra. A melhor lembrança é estar ao piano, tocando uma pecinha qualquer e, ao término, ser aplaudia pelo meu pai, que entrara sem eu perceber. Jamais esquecerei o primeiro e, talvez, o único aplauso dele, na minha vida, já que foi embora desse mundo tão cedo...
Outra hora falo mais do Engenho Novo para vocês. Lembranças devem vir em doses homeopáticas, senão podem ter contra-indicações. Elas fazem chorar!
Sucesso para a operação do Bope na região. Viver em paz é fundamental.