(Foto: Reprodução)
(Por Ana Beatriz Monteiro*)
Todo mundo tem seus dias de cão. Você abre os olhos e parece que o mundo escolheu você para irritar. Logo o mundo, coitado, que não fez nada.
Era um dia desses. Ela acordou de um jeito que não estava bem pra nada. Retrucou o “bom dia” com um grunhido de irritação e olhou para cima com a cara amarrada, como se o sol, todo brilhante, quente, reinando no céu, fosse o responsável por todas as suas mazelas.
Chegou na cozinha e a família já estava a toda. Cozinha pede conversa, não é? Ainda mais em família grande. Todo mundo sempre tem algo para falar – e precisa anunciar mais alto que o parente do lado.
Da porta, ela pediu um minuto de silêncio. A família já achou que ia fazer alguma declaração importante. A avó já começou a orar, temendo o pior. (O que é o pior? Ninguém sabe, é qualquer coisa que a vó decide na hora que é pior).
Ela não falou nada. Sentou na mesa, fechou os olhos e respirou fundo. Uma, duas, três vezes. Abriu os olhos, desligou o celular. Não fez mais nada, os parentes se entreolharam, confusos, e logo voltaram as suas atividades normais. A irmã fez um sinal de loucura, que ela viu, mas nem ligou.
Às vezes, a vida pede, não é? Um respiro. Só um minutinho para não ouvirmos nada.
Silêncio é difícil de achar hoje em dia. Mesmo quando estamos quietos, estamos sempre ouvindo alguma coisa. Do fone de ouvido que já é parte da roupa ao zumbido constante das notificações no celular. Gente falando: do trânsito, da política, do futebol, do gasto de água e da chuva que não vem, do metrô lotado, da ciclovia (e da bicicleta que não sai da garagem há semanas).
Ela levantou de novo. Ninguém prestou atenção dessa vez. Pegou um pote no armário, botou a água para esquentar e ficou quietinha. Um sorriso surgiu nos lábios quando o aroma começou a subir.
E de repente, todo mundo ficou quieto de novo, só sentindo o cheirinho de café se espalhar pelo ar. A avó deixou a reza, a irmã, a implicância, a mãe abaixou o jornal e parou de tentar convencer o filho mais velho a largar o socialismo.
Silêncio.
Por um minuto, todos ficaram absortos no aroma.
Ela pegou xícaras pra todos e logo encheu uma só pra ela. Respirou fundo antes de dar o primeiro gole, e pareceu que, dentro dela, o café desfez tudo que a irritava.
O pai pediu o açúcar, o irmão, o adoçante. Logo, todos começaram a falar de novo. Mas estava tudo bem. Distraída com sua bebida, ela olhou pela janela e achou o sol a coisa mais bonita que já tinha visto.
Disse Alexandre Dumas, “para todos os males, há dois remédios: o tempo e o silêncio”. E se mesmo isso não funcionar, não tem mau humor matinal que não se cure com uma boa xícara de café.
(*Publicado originalmente em Horóscopo Virtual.)
Ela poderia ser eu, com certeza.
Não é o sol que inicia o meu dia. Nem o despertador.
É o café.