“Birra e crises de mau humor são comuns em crianças de todas as idades, mas há casos em que a desobediência ganha contornos severos. O pequeno passa a apresentar dificuldades no controle do temperamento e das emoções, tornando-se teimoso e resistente a ordens. Em outras palavras, parece testar os limites dos pais a todo instante. Se essa descrição lembrou alguma criança que você conhece, saiba que ela pode estar sofrendo do transtorno desafiador opositivo (TDO).
“As principais características são a perda frequente da paciência, discussões com adultos, desafio, recusa em obedecer a solicitações ou regras, perturbação e implicância com aspessoas, podendo responsabilizá-las por seus erros ou mau comportamento. Ele se aborrececom facilidade e comumente se apresenta enraivecido, agressivo, irritado, ressentido, mostrando-se com rancor e com ideias de vingança”, resume Gustavo Teixeira, psiquiatra da infância e adolescência e autor do livro “O Reizinho da Casa — Manual para Pais de Crianças Opositivas, Desafiadoras e Desobedientes” (Best Seller).
Relações abaladas
Dados estatísticos revelam que 2% a 16% das crianças em idade escolar apresentam o TDO. O transtorno ainda é duas vezes mais frequente entre meninos, e os sintomas iniciais ocorrem entre os seis e oito anos de idade. Mas como diferenciar o transtorno de um caso corriqueiro de mau comportamento? “No caso de crianças com idade abaixo de cinco anos, o comportamento deve ocorrer na maioria dos dias durante um período mínimo de seis meses. Em crianças com cinco anos ou mais, deve ocorrer pelo menos umavez por semana durante no mínimo seis meses”, esclarece Luciana Rizo, neuropsicóloga (RJ). Outra pista é quando o comportamento inadequado causa sofrimento aos grupos de convívio da criança, como família e amiguinhos da escola, impactando negativamente em seus relacionamentos.
A raiz do problema
“A gravidade do sintoma pode ser leve quando se limita a apenas um ambiente. É moderada quando está presente em pelo menos dois, e grave quando ocorre em três ou mais”, diferencia Luciana. A neuropsicóloga explica que os pais não devem se torturar pensando sobre onde erraram na educação de seu filho. Segundo ela, as causas da manifestação do problema são multifatoriais. “Há evidências de influências hormonais, genéticas e neurofuncionais.”Porém a dinâmica familiar pode reforçar um padrão de comportamento inadequado.“Em resumo, seria uma integração dos fatores genéticos e o quanto o ambiente colabora na expressão em maior ou menor grau do transtorno”, conclui.
Transtorno de conduta
Na hora de procurar ajuda, o psiquiatra, o neuropediatra ou o neuropsicólogo especializados em tratamento infanto juvenil podem ajudar no diagnóstico, que será clínico. Em algumas situações, é comum o TDO ser confundido com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Os dois transtornos, aliás, não raro, aparecerem juntos.“A semelhança é que ambos têm como característica a impulsividade, ou seja, os portadores tendem a agir sem pensar. Porém, quando é realizada a avaliação adequada, percebe-se claramente a diferença entre ambos”, destaca Luciana.
Cerca de 65% das crianças com o diagnóstico de TDO deixarão de apresentar os sintomas nos anos seguintes, desde que acompanhados terapeuticamente. O restante pode permanecer ou intensificar os sintomas, evoluindo para o chamado transtorno de conduta (em que os jovens apresentam agressividade, comportamento antissocial e constantemente violam as regras de convívio). “Quando o TDO não é tratado, a evolução para o transtorno de conduta pode ocorrerem até 75% dos casos. Naquelas em que o início dos sintomas se iniciaram antes dos oito anos de idade, o risco de evolução será maior. Ou seja, o diagnóstico e o tratamento precoces exercem um papel preventivo importante”, pontua Teixeira. Além disso, quando adultos, há maior risco de desenvolvimento de problemas de controle de impulsos, abuso de álcool e drogas, ansiedade e depressão.
Manejo do comportamento
O tratamento para TDO geralmente alia medicação psiquiátrica com psicoterapia.“De maneira geral, quando falamos de transtornos, não falamos em cura, mas em manejo de comportamentos ou sintomas. Com o tratamento, a incidência de comportamentos inadequados diminui bastante”, explica a neuropsicóloga.
Uma série de estratégias de manejo de comportamentos pode ser ensinada para aqueles que convivem diretamente com a criança ou adolescente. “O terapeuta trabalha a percepção de situações que levam à ativação emocional e que conduzem ao comportamentode oposição e desafio”, destaca.
Também pode ser aplicado o chamado reforçamento positivo – que são elogios, aproximação física, carinho e atenção sempre que a criança apresentar um comportamento adequado. Para completar, os pais precisam ficar atentos à disciplina. “A falta de limites e de disciplina pioram os sintomas de crianças com o transtorno desafiador”, lembra Teixeira.
Ambiente saudável
A participação dos pais, aliás, é de extrema importância no tratamento da criança com TDO. “Uma criança que cresce em um ambiente respeitador, com pais presentes e participativos em sua vida, apresentará menores chances de problemas relacionados com comportamentos desafiadores, desobedientes e opositivos”, lembra o médico Teixeira.
Também é importante ser um modelo pacífico e positivo para a criança, evitando agressividade e violência. “Muitos pais confundem limite e monitoramento com intolerância, autoritarismo e violência. Na verdade, a família é um grande modelo de aprendizagem para a criança”, reforça o psiquiatra.
Sempre que possível, fortaleça a autoestima de seu filho, evitando dizer coisas como: “você não faz nada certo” ou “você é o pior da escola”. Vale também estimular a prática de esportes, que ensina conceitos básicos de respeito, ética, moral, hierarquia, companheirismo, organização, liderança, cooperação, competição, regras, limites, além do desenvolvimento de habilidades motoras e sociais. Por fim, mantenha um canal de comunicação aberto com a escola para monitorar comportamento do estudante quando ele estiver fora de casa.”
(Publicado originalmente em http://revistavivasaude.uol.com.br/, em 02/11/2015, por Marília Alencar. Texto Leonardo Valle / Foto: Shutterstock.)
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