domingo, 5 de junho de 2011

Che Guevara ainda vive.

Um jovem com muitas ideias na cabeça e facilidade para escrever. Acrescentado por ideais revolucionários e românticos, senso crítico, princípios éticos e um bom vocabulário para a idade: combinação perfeita. O resultado foi o texto abaixo que, com muito orgulho, apresento para vocês.

O contexto era março de dois mil e dois. O PC do B completava oitenta anos. O rapaz tinha apenas dezoito. Não era militante, nem filiado ao Partido. Era apenas um jovem com muitas ideias na cabeça e facilidade para escrever… e, por coincidência, filho meu!

che

Che’s still alive

“Uma cena surreal: o casal Jornal Nacional anuncia um intervalo no noticiário para a exibição da propaganda eleitoral gratuita - até aí tudo bem - mas ao invés de slogans de efeito ou musiquinhas irritantes, surge imponente, em cadeia nacional, o velho símbolo do comunismo. Era a propaganda do PC do B, em comemoração aos seus oitenta anos de existência. Por alguns instantes pude retornar metafisicamente às minhas antigas aulas de geografia, aos tempos em que eu costumava rabiscar a foice e o martelo na capa dos meus cadernos, junto com dizeres do tipo “Che vive!”, conclamando meus colegas de turma à revolução.

No programa, o partido mostrou-se fiel à tendência de modernização, um vídeo dinâmico com trilha sonora, toques de design gráfico e recursos de publicidade. Jovens com aparelhos celulares e computadores, discutindo em falas recheadas de gírias a história e a ideologia do Partido Comunista. Até mesmo as mulheres do Partido se apresentaram chiquérrimas com taillers e produção de maquiagem. Ficou meio esquisito. Confesso que senti falta dos velhos ícones; não havia sequer um homem barbudo ou de óculos ou de camisa xadrez. Foi-se o charme dos velhos comunas... Mas um estranhamento maior insistiu-me ao ver aquelas pessoas - atores, evidentemente - falarem que são comunistas e defenderem o socialismo como solução para os problemas do Brasil. Esquisito tornar a ver como positivo um termo tão utilizado de forma pejorativa em tudo quanto é lugar. Comunista virara sinônimo de pessoas anti-sociais ou levemente psicóticas, pra não recorrer ao jargão pra lá de batido “comedores de criancinhas”.

Sempre fui meio que simpatizante dos ideais de Marx (Karl, não Groucho) e seus comparsas, afinal, tive meus dias de rebelde; e sonhador. Graças à influência da Revolução Bolchevique quis demolir a “dominação neoliberal-burguesa” e autoritária da diretoria de minha escola - não podíamos vestir bermudas nem namorar no colégio, católico. Um absurdo! Lutei como um legítimo rebelde-sem-causa pelas minhas, e então senti na pele o que é a decepção de alguém que se ilude demais com a teoria. Fui impertinente e tolo, e mesmo o tendo feito com a melhor das intenções, delas o inferno transborda.

Teoria por teoria, até a Revolução (da burguesia) Francesa teve seus méritos - raramente resisto à tentação de terminar uma dissertação com o lema dos jacobinos (“Igualdade, liberdade e fraternidade”). O conjunto teórico dos revolucionários de qualquer espécie e época é muito lindo, principalmente para um estudante de quinze, dezesseis anos que acaba de descobrir que o mundo pode ser muito injusto e na maioria das vezes o é. Lembro-me da passeata em que até fui entrevistado, por uma rádio e um jornal, portando a bandeira dos sem-terra e um belo “Fora FHC!” desenhado na testa com tinta guache. “Estamos cansados da inércia social deste governo neoliberal! Vamos acabar com as injustiças sociais, vamos fazer a Revolução! Che Guevara vive!”

O tempo passou, e o desgaste natural da utopia levou-me à minha atual condição. Outrora queria mudar o mundo, e já o tentava fazer começando por mudar a escola. Hoje, percebi que o buraco é mais embaixo, e mais profundo, e mais escuro. Aprendi boas lições com professores ex-comunistas e mais umas outras com certas autoridades escolares (entenda-se “sermões na sala da diretoria”). Meu tio Eusébio já dizia: “Os jovens, antes de sair para reformar o mundo, deveriam primeiro dar um jeito em seus armários.”. Sábio tio Eusébio. Minha revolução eu vou fazer do meu jeito, começando com a minha própria vida. Antes de mais nada, informação e senso crítico, para não sair por aí falando besteira. Ter argumento para discutir é mais importante que ostentar uma camiseta com a foto do Guevara. Aliás, aquela foto (e digo apenas “aquela” pois todos sabem a qual me refiro) é um mero símbolo, que não saiu de moda. Os que a idolatram conhecem tanto da vida e obra de Che Guevara quanto conhecem a teoria da relatividade. Einstein também tem uma foto famosa, aquela da língua, mas ninguém que não possua anteninhas na cabeça compreende facilmente suas idéias. Já a foto do cientista descabelado, todos já viram, todos conhecem. Assim como a de Che. Há quem pense até que o herói era cubano (talvez até ele mesmo), mas é fácil associar o ícone comunista - argentino, por sinal - com ideais de revolução e liberdade. Tais ideais são a sina de um determinado tipo de pessoas, os estereotipados barbudos de camisa xadrez. Entram pro movimento estudantil, vão a passeatas, fazem greves e discursos inflamados contra tudo o que há de errado no mundo. O governo, os partidos de direita e os meios de comunicação, todos conspiram pela manutenção da estrutura social vigente (“e não?”). Após o passar de muitos anos, se não modificaram rapidamente seu ponto de vista, tornam-se adultos frustrados, quando muito, políticos fracassados. Que sina! E eu que pensava em seguir a carreira política, carregando minhas fantasias de adolescente para todos os cantos, câmaras e assembléias... Mudar o mundo. Justiça, igualdade social, liberdade de expressão, honestidade na política; na infância nós acreditamos em mentiras menos fantasiosas que estas. Papai Noel, Coelhinho da Páscoa - coisas muito mais sólidas.

Na verdade, pouco se há de fazer, exceto o que se pode fazer sabendo que não se está mudando o mundo com isso. Desejo que as pessoas saibam discernir o idealismo cego daquele que pode ser posto em prática. Insistir em teclas ocas como o comunismo ou a anarquia é coisa para as próximas gerações de adolescentes. Contudo, deixar de ser acomodado e ignorante, lutar por um mundo melhor, como aquele mundo socialista idealizado apresentado pela propaganda do PC do B, independentemente das armas e meios de que se dispõe, é o que jamais deve ser deixado de lado. Posso estar muito enganado, mas - como nos desenhos da Disney - ao final o bem sempre vence, e a paz sempre reina. Por isso creio, não na reconstituição do Éden (o que tornaria o mundo meio insípido), mas na melhoria de alguns aspectos sociais. Menos mortes, menos miséria, menos impunidade entre os “chefões”. Ética, honestidade, competência política; já é um começo.

Ao final do horário eleitoral gratuito, overdose de esperança. Por mais que se saiba que as coisas são assim, injustas, desde que o mundo começou a rodar sob seu próprio eixo (vide Caim e Abel), ainda resta o sentimento romântico natural do ser humano. PC do B, oitenta anos: um mundo mais justo para se viver é possível; dias melhores virão. É isso aí! Eu chorei. Che Guevara ainda vive.” (Luiz Fernando Pazito)

''O importante não é ser aplaudido quando você chega, mas ser lembrado quando sai.''

Um comentário:

  1. Nao vou fazer muita força e ou, pressao, apenas dizer que o texto ficou otimo e viva chê e suas brilhantes ideias, alem da sua coragem e força de um jovem revolucionario.

    Parabens pela post, no repensando a historia tem uns textos sobre Chê...

    http://simonrepensandoahistoria.blogspot.com/

    Abraço

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